Autor: Luis Fernando Veríssimo
Editora: Objetiva
Data: 2001
“Estamos no topo da cadeia alimentar dos bichos de sangue quente e somos da categoria dos predadores: comemos de tudo, da baleia ao escargot. Assim o escritor analisa a espécie, nos ajuda a compreender fomes diversas - e alivia culpas, se elas ainda existirem. Sim, Veríssimo é especialista no assunto. Na cozinha só entra para abrir geladeira, mas sabe comer. Delicia-se com bravos minestrones, carnes malpassadas, tortas sofisticadas ou pastéis de beira de estrada. Sorte a nossa, porque depois de comer tanto e tão bem ele ainda escreve, deliciosamente, sobre experiências viscerais. Ou alguém já descreveu melhor do que o Veríssimo aquele encantamento que sentimos, ah sim, quando a gema se desprende da clara e, viscosa, quente, se desmancha sobre os grãos de arroz? Seus textos também podem nos embriagar, de tanto rir, se o assunto for os tintos mais apropriados para aquele jantar de sexta à noite, ou a ressaca do dia seguinte - Veríssimo aposta que na sua adolescência as bebedeiras tinham grandeza, e na luta desigual entre o cuba-libre e seu instinto de preservação, o primeiro ganhava sempre”.
Acredito que esse texto de abertura presente no livro já seria o suficiente para fazer qualquer mortal sentir vontade de lê-lo. Ainda mais, se o mortal em questão, for amante da gastronomia que nos rodeia tanto no cotidiano, quanto em ocasiões especiais, pois Veríssimo conseguiu unir o útil ao agradabilíssimo: boas crônicas de humor sobre comida.
Colocando o ato de comer como uma forma extrema de possuir o que queremos, o autor conta casos e expõe situações das quais quase todos já tivemos a chance de vivenciar um dia em nossas vidas.
A crônica O buffet, que inicia esse mundo “gastronômico-literal”, mostra de forma clara aquilo que sempre insistimos em esconder: o principal motivo pelo qual vamos as festas é a comida. Encenando um manual de “como se portar em um buffet se quiser comer”, o autor ensina macetes para se satisfazer com sucesso, como levar dois pratos fingindo que um será para o acompanhante, por exemplo.
Outra crônica que merece destaque, principalmente para aqueles que gostam de comidas sem frescura, é a crônica União, gente. Fiquei impressionada ao saber que não só eu, ou Veríssimo, mas muitas pessoas são contra àquela coisinha verde na comida, ou salsinha, como é mais conhecida: “Minha rebelião contra a salsinha ganha adeptos e, a julgar pela correspondência que recebo, esta era uma causa à espera do primeiro grito. Só não conseguimos ainda nos organizar e partir para a mobilização - manifestações de rua, abraços a prédios públicos - porque persiste uma certa indefinição de conceitos. Eu sustento que “salsinha” é nome genérico para tudo que está no prato só para enfeite ou para confundir o paladar, o que incluiria até aqueles galhos de coisa nenhuma espetados no sorvete, o cravo no doce de coco, etc. Outros, com mais rigor, dizem que salsinha é, especificamente, o verdinho picadinho que você não consegue raspar de cima da batata cozida, por exemplo, por mais que tente. Outros, mais abrangentes até do que eu, dizem que salsinha é o nome de tudo que é persistentemente supérfluo em nossas vidas, da retórica à porta-aviões, passando pelo cheiro-verde. Meu conselho é que evitemos a metáfora e a disputa semântica e, unidos pela mesma implicância, passemos à ação. Para começar, sugiro um almoço informal com o presidente da República, em Brasília, para discutir a gravidade da questão, que certamente não merece menos atenção do que as novelas da Globo”. E ele não pára por aí, pois em Salsinha 2, a história continua com referências em línguas diferentes. Realmente, sensacional.
Por fim, acho que o ápice de identificação com o ser humano está em O come e não engorda. Existe pessoa mais invejada do que o come e não engorda? Veríssimo afirma que ele é seu ídolo, já que sonha em emagrecer e depois nunca mais engordar, por mais que tente. O autor conclui ainda, que ele seja de outra espécie “Não é humano. Pode até ser melhor do que nós, um aperfeiçoamento, mas não é humano. Afinal, o que une a humanidade é o seu apetite comum”. E eu concordo. Quem não morre de inveja quando vê aquela amiga, ou aquele primo, que comem esganadamente - e ainda repetem sobremesas - sem remorso algum? Veríssimo conseguiu cutucar nossa ferida. Mas ainda assim, nos consola e arranca aplausos. Mostra que não estamos sozinhos.
Confesso que escrever sobre Veríssimo me dá certo prazer, visto que amo o seu modo de escrever com humor de uma forma totalmente brilhante. Mas isso não me torna suspeita nesse caso, afinal este livro é realmente bom. Desafio alguém a ler não se identificar, pelo menos, com sete das crônicas apresentadas.Pode servir como livro de cabeceira, ou como manual de comportamento. Isso varia de acordo com o grau do passado canibal que existente em cada um. Mas que as risadas são garantidas, ah, isso elas são.